Avançar para o conteúdo principal

Lembro-me perfeitamente do primeiro dia em que a vi.


 



Saia do metro a caminho do trabalho, e ela passou por mim a fazer o seu jogging matinal.
Podia dizer muita coisa mais ou menos politicamente correcta, mas na verdade, quando a vi passar, aquilo que me saltou à vista não foi a sua personalidade, mas sim uns glúteos bem formados e um corpo dvinal, que fiquei a admirar enquanto ela corria à minha frente, afastando-se, com o rabo de cavalo loiro como uma espia madura a oscilar, ao ritmo da sua passada.
Nos dias seguintes, cada vez que saia do metro cruzava-me com ela, como se houvesse um acordo não escrito nem verbalizado. Mera coincidência, mas, para mim, uma coincidência feliz.
Fui percebendo que, além do corpo fabuloso, ela era realmente bonita, sempre impecavelmente maquilhada, sempre cuidada…
Ela começou a reparar que eu a observava sempre com alguma insistência e começou a parar depois de passar por mim, num sitio do jardim onde eu teria de passar, aproveitando para fazer alguns alongamentos, e eu desacelerava o passo, só para a poder observar.
Depois de alguns dias disto, quando eu passava por ela, ela olhou-me, sorriu, e eu senti o meu coração saltar uma batida. Convenci-me imediatamente que aquilo nada queria dizer, até porque não imaginava uma mulher daquelas a, sequer, olhar para mim de outra maneira… No caso, da maneira que eu olhava para ela, e, falando em pleno Português, ela dava-me tesão.
Mas entretanto, deixei de a ver. Todos os dias saia da estação, olhava em volta, mas… Nada!
Fiquei com pena e pensava para mim que devia ter ganho coragem de dizer, pelo menos, um olá.
E então ela voltou a aparecer e eu, enchi-me de coragem, falei-lhe e áquela hora da manhã, perguntei-lhe se não quereria beber um café comigo.
Ela aceitou.
O café tornou-se um habito de todos os dias. Fomos falando, e, se no principio o meu fascínio era pelo corpo magnífico que ela tinha, depressa me deixei fascinar pela sua maneira de ser, simples, descomplicada, tão diferente das mulheres que eu conhecia.
Começamos a sair, um cinema, um teatro, jantares, a que ela sempre aparecia absolutamente deslumbrante mas, apesar do tesão que sentia, os outros sentimentos falavam alto e cada vez mais achava que era melhor levar as coisas com calma.
Até que um dia, depois de sairmos de uma sessão de cinema tardia, as coisas aqueceram, e muito, no parque de estacionamento do centro comercial. Não chegamos a “vias de facto” mas a verdade é que a vontade dos dois era palpável e, por esta altura, estava já perdidamente apaixonado por ela. Acabou por não acontecer nada nessa noite. Deixei-a à porta do prédio dela e segui para casa. Quando entrava à porta uma SMS com um convite para jantar em casa dela no dia seguinte chegou.
No dia seguinte apareci com uma garrafa de vinho. A refeição foi óptima. Já a sobremesa foi sobre a mesa, o sofá, a cama no quarto… Tudo o que tínhamos andado a conter entre nós explodiu naquela noite.
Depois de tudo isto, deitado na cama enquanto esperava que ela voltasse da casa de banho, observei as fotos que ela tinha pelo quarto e vi a foto de um tipo fardado que era a cara chapada dela. Quando ela voltou perguntei-lhe se tinha um irmão gémeo e ela respondeu que não, não tinha irmãos, e o porquê da curiosidade. Apontei-lhe a foto.
O sorriso que ela tinha desapareceu de repente, cravou os olhos no chão e disse baixinho “sou eu”. O que me deixou incrédulo.
Pedi-lhe, obviamente que se explicasse!
Contou-me a história de como nunca se sentira bem consigo própria, que tinha nascido homem, fez uma vida normal, mas sempre mergulhada em tristeza, chegou a querer fazer carreira militar, sobretudo por insistência do pai, que também o era, mas com 25 anos descobriu-se e, depois de muito tempo de terapia, tinha resolvido fazer a operação e tinha mudado de sexo.
Levantei-me, vesti-me e saí, deixando-a em lágrimas, enquanto tentava a todo o custo conter as minhas.
De facto, conseguia perceber a sua história e o seu percurso. No fundo, nem me importava que ela já tivesse sido um homem. Claramente não o era agora…
…e isto fez-me compreender o porquê de as coisas andarem tão devagar entre nós…
…mas, se ela me ocultou isto até depois de consumarmos o acto, acabando por não me da hipótese de escolha em relação à sua condição “por medo de como eu reagiria”, que mais seria ela capaz de me ocultar ou mentir?
Não seria esta dúvida uma espada de Dâmocles sempre pendente sobre a nossa relação?

Comentários

  1. Existem coisas difíceis de contar, em especial quando não no sentimos bem com isso. Passei por uma situação semelhante com algo que as pessoas pensam que me ofende falarem nisso, no primeiro jantar "oficial "da minha relação disse: "olha, antes que saibas ou leias por essa net fora, tenho algo par ate dizer..." e disse. Quando não se conta algo, talvez seja por ser tão nosso que fica guardado...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É verdade...
      ...mas neste caso a verdade talvez já tenha vindo tarde demais. É um caso em que o medo e insegurança podem ter condenado à partida algo que até poderia florescer! Porque depois de quebrar a confiança, é muito difícil reconstruí-la, e mesmo quando se consegue, as fendas e falhas ficam sempre à vista.

      Agradeço o comentário em nome do autor

      Eliminar

Enviar um comentário